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Trabalho como correspondente

”O senhor vai para a guerra, mas não me morra, seu Silveira! Não me morra! Repórter é para mandar notícias, não para morrer!” disse Assis chateaubriand  que o escolheu , para fazer a cobertura do Conflito Armado para os Diários dos associados.
  Houveram restrições ao seu embarque por parte do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão de controle criado durante a ditadura do Estado Novo, e por parte do então, Ministro da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra, por considerá-lo “comunista’. Mas, apesar dos protestos teve o aval do presidente Getúlio, atendendo solicitação de Chateaubriand.
 Assim, o jovem jornalista se tornou um entre outros correspondestes brasileiros a ser integrado à Força Expedicionária Brasileira nos Apeninos.
Embarcou para a Itália no 1º Escalão da Força Expedicionária Brasileira. Ao chegar à Europa, Joel tinha 26 anos e era o mais jovem de todos os Correspondentes de Guerra.
Em seu livro o “Inverno na Guerra”, um diário de bordo, reeditado, por ocasião da comemoração dos 60 anos do fim da 2ª Guerra, Joel faz um emocionante relato da participação dos nossos “pracinhas” no conflito e o cotidiano de um correspondente de guerra.
Ao tecer sobre o papel do jornalista na Itália, rebate críticas feitas por pessoas mal esclarecidas sobre a atuação da Força Expedicionária Brasileira: No primeiro capítulo do livro acima citado.




“A Guerra não foi um passeio”... “A guerra é cheia de truques, todos nojentos; e um dos mais nojentos é fazer com que alguém que com ela conviveu durante meses acabe sendo condicionado por ela. Por isso é que naqueles dias, véspera de volta pra casa, eu sentia que não fora apenas a guerra que havia acabado, mas também uma parte do que eu era antes de chegar à Itália. Por isto é que costumo dizer que cheguei à Itália com 26 anos e voltei com 40. A Guerra, repito é nojenta. E o que ela nos tira (quando não nos tira a vida) nunca mais nos devolve”


No livro de sua autoria,Joel descreve sua passagem de ano (1944-1945) no artigo “O ANO NOVO”
Volto aqui a Roma depois de 11 dias intensos na frente brasileira. A descrição detalhada destes últimos dias serviria para desiludir algum espírito ingênuo e otimista capaz de julgar ser a vida do correspondente de guerra na Itália ou em qualquer outro “front” do mundo, um paraíso movimentado e colorido. Não quero me prolongar muito a respeito, mas quando o leitor souber que entre o dia 25 de dezembro último e este 2 de janeiro só me foi possível tomar um banho, apressado e econômico, poderá por si mesmo tirar outras conclusões a propósito da vida que levamos aqui. Mas é lógico que isto não acontece somente com os correspondentes, obrigados a andar de um lado para o outro, sem pouso certo para dormir ou para comer. A guerra é, na sua totalidade, uma coisa incômoda, incômoda para o general, para o coronel, para o pracinha ou para o correspondente.

As noites de 26, 27, e 28 haviam sido terríveis. Sabíamos mais ou menos o que estava acontecendo, porque o coronal havia chamado todos nós e, diante de um mapa minucioso, explicado as ultimas manobras e intenções do inimigo. As últimas informações de partigiani chegadas ao 5º exército revelavam a marcha de quatro ou cinco divisões nazi-fascistas do norte italiano para o sul, e tudo mostrava que os alemães, à semelhança do que estava fazendo na frente do Ocidente europeu, tencionavam dar inicio a uma grande ofensiva até o porto de Livorno.

A investida nazista contra uma divisão negra norte-americana e a reconquista de Barga, num setor que meses atrás estava sendo defendido pelos brasileiros, não queria dizer outra coisa. A verdade, porém, é que tudo acabou bem, como devem ter lido nas noticias telegráficas das agências.

Barga foi novamente libertada pelos aliados e os nazistas empurrados para além de suas linhas anteriores. Entre a investida nazista e o contra ataque aliado, que libertou, a pequena cidade medieval esteve perto de dois dias nas mãos dos alemães. O tempo foi pouco, mas o suficiente para que os tedescos cometessem contra a população algumas de suas típicas barbaridades. Homens e rapazes válidos foram mandados para o trabalho forçado no norte italiano, alguns elementos partigiani presos e torturados. Sigo amanhã cedo para lá, juntamente com alguns outros correspondentes estrangeiros, o que significa dizer que dentro de poucas horas a história da curta ocupação de Barga poderá ser revelada em todos os seus detalhes.

A notícia de que os alemães estavam avançando na Itália lançou o pânico nas populações vizinhas à frente de batalha. Os civis nos seguravam nas ruas para saber das últimas notícias. Um medo angustioso e desesperado estava estampado nos rostos aflitos que nos indagavam se era verdade que os tedescos estavam vindo de volta. Por alguns instantes, nas estradas e caminhos da frente noroeste aliada, podia-se contemplar um dos espetáculos mais comuns desta guerra fria: filas de civis, com pertences às costas, fugindo de um inimigo que parecia retornar com a mesma fúria e implacabilidade dos seus primeiros avanços, naqueles distantes dias em que a guerra era uma coisa sua.

Lembrei-me, então, de muitos dos muros pichados nas cidades e povoados livres dos nazistas, e fiquei a imaginar comigo mesmo qual seria a reação das SS ou da Gestapo diante de frases como estas: “Viva a Inglaterra!” “Viva a Rússia!”, “Morte aos fascistas!”. “Os tedescos precisam ser eliminados!”. “A América toda poderosa nos salvará!”. Possivelmente, os muros pichados de Barga terão justificado os dois dias de crueldade nazistas, se é que o alemão necessita de qualquer justificativa para praticar os seus crimes.

A revelação de que os tedescos foram derrotados e estavam fugindo para os seus montes e casamatas nos chegou numa madrugada, quando tentávamos adormecer sob o tiroteio que visava o quartel avançado das tropas brasileiras. Voltamos a descer pelos Apeninos, até nosso Quartel general avançado, e o último dia de 1944 nos encontrou aboletados num jipe a caminho do que Roma representava para nós, esgotado por noites intranqüilas e atormentados pela neve e pela poeira de mil caminhos: um bom banho quente, uma cama macia e confortável, uma luz regular com a qual é possível ler alguma coisa, informações e noticias em dia do mundo.

Mas o triste é que vim encontrar o Hotel de
la Ville, “o lar dos correspondentes”, como explica uma de suas tabuletas na porta da frente, inteiramente tomado, sem um único quarto para o povero brasiliano rovinato.

Tenho que passar esta última noite de 1944 no quarto de um colega neozelandês, comprido e falador, pois que só amanhã o aflito gerente me conseguirá uma cama e um banheiro meus. Esfrego o rosto apressado, e ainda com os olhos ardendo de poeira vou lá para baixo, para o bar, onde uma multidão complexa e diferente canta e dança como componentes de uma só família. O ano de 1945 me encontra cochilando numa poltrona, defronte uma lareira apagada e diante de um conhaque vermelho e sem gosto. Foram as badaladas do Big Bem, irradiadas de Londres para os correspondentes do Hotel de
la Ville, que me despertaram, e aqui eu faço votos para que nunca mais aconteça, em toda a minha vida,uma outra passagem de ano semelhante.

Não devo esquecer também o gesto espontâneo e gentil da bela correspondente sul-africana (ela se chama Norinha). Meia noite, ela me bateu no ombro e ergueu uma taça de champanhe. Suas faces estavam coradas, a luz brilhava nos seus cabelos pretos e sua voz veio até mim como uma coisa inesperada, mas muito desejada:
- Feliz Ano Novo para os brasileiros.
Foi um pequeno instante de felicidade que fico devendo à África do Sul.

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